Noutro dia, durante uma discussão corriqueira com um colega
de escritório sobre uma decisão que envolvia uma certa dose de risco,
ponderamos a certa altura sobre a questão do risco moral. Estaria aquela
decisão (prestes a ser tomada) gerando risco moral? Na dúvida, acabamos
voltando atrás e decidindo não seguir em frente. A partir desse episódio,
me pus a observar com maior atenção os processos de tomada de decisão dos quais
participei, seja como ator coadjuvante ou personagem principal, e desde então
uma pergunta me assombra:
Estaríamos nós negligenciando o risco moral nas decisões que
tomamos?
A expressão risco moral (do inglês moral hazard) define
um tipo de falha em que a existência de um seguro contra um determinado risco
aumenta a probabilidade de ocorrência do evento que origina esse risco. Por
exemplo, o dono de um carro que esteja segurado contra roubo poderá deixar de
ser tão cuidadoso na proteção do seu veículo dado que a existência do seguro
reduz o incentivo para a prevenção.
Os exemplos variam tanto quanto as definições que atualmente
são facilmente encontradas na internet, mas não me pus a escrever nesse lindo
sábado de primavera para polemizar acerca de qual seria a melhor definição de
risco moral. Meu objetivo é gerar uma reflexão e, com sorte, também assombrar
alguns dos leitores desse post, como eu próprio estou assombrado, quanto a
estarmos negligenciando o risco moral nas nossas decisões.
Para início de conversa, minha definição de risco moral vai
muito além das definições tradicionais, normalmente voltadas para o mundo
corporativo (mercado financeiro em especial). Vejo como risco moral qualquer
ação que vise mitigar um determinado risco ou obter um determinado benefício, mas que quando implementada de
forma exagerada acaba por ampliar a
possibilidade de ocorrência desse risco ou gerando um prejuízo maior do que o benefício obtido inicialmente. Por exemplo, um
pai que de forma legítima e amorosa busca proteger seu filho(a), pode, ao
exagerar na proteção, acabar aumentando as chances de algo indesejado ocorrer,
pois o filho(a) superprotegido tenderá a negligenciar os riscos aos quais está
exposto. Quem é pai, como eu, sabe do que estou falando.
Claro que esse exemplo está aqui apenas para demonstrar o
quão abrangente pode ser (na minha opinião) a definição de risco moral. No entanto, a expressão
"exagerar", utilizada no exemplo acima, não está ali por acaso, pois
na minha opinião é justamente o exagero que na maioria das vezes gera o risco
moral.
Assim como superproteger o filho(a) traz consigo a
possibilidade de que algo de ruim aconteça com ele(a), é o exagero na dose de
qualquer ação que gera o risco moral. Não é (isoladamente) o fato de termos o
carro segurado que nos faz agir de forma negligente em relação às medidas de
segurança, mas o prêmio muito alto (valor pago pelo seguro) ou a possibilidade
de ter uma indenização acima do valor de mercado, que amplifica esse tipo de
comportamento, seja ele consciente ou não. Em outras palavras, o que
determina se uma substância vai agir como remédio ou veneno é a dosagem.
Sei que até aqui falei o óbvio, pelo menos para aqueles mais
familiarizados com o tema. Mas assim como a expressão
"exagerar" não foi colocada ao acaso no exemplo do pai superprotetor,
também não é por acaso que decidi abordar a questão do risco moral de forma
óbvia, pois é justamente esse ponto que mais me assombra:
Se é tão óbvio que o exagero em determinadas ações acaba
trazendo consigo o risco moral, por que então é tão comum presenciarmos
decisões (as vezes das quais nós mesmos participamos) carregadas de risco
moral?
Por que gestores, na ânsia de tirar da frente problemas que
estão impactando no curto prazo, tomam decisões com potencial para prejudicar
suas organizações a médio e longo prazo? Vimos isso recentemente no escandaloso
"caso Volkswagen", não é mesmo?
Por que bancos, buscando aumentar seus lucros, encharcam o
mercado com papeis tóxicos que a longo prazo têm potencial para gerar risco
sistêmico de proporções globais? Como presenciamos em 2008 na crise do subprime.
Por que em tempos de crise, alguns agentes financeiros
elevam seus spreads de forma exagerada, sob o pretexto de estarem protegendo e/ou remunerando melhor os seus ativos, sabendo que na prática estão contribuindo para criar um
contexto onde alguns dos seus devedores terão ainda mais dificuldades para
honrar seus compromissos?
Enfim, sei que para cada um dos porquês acima, têm pelo
menos uma dúzia de respostas bem fundamentadas. Mas não é esse o ponto em
discussão. Esse meu post não busca respostas e tão pouco tem a pretensão de
trazer para a mesa qualquer tipo de discussão acerca dessa ou daquela teoria do
capitalismo e suas consequências práticas. Meu objetivo é bem mais modesto,
pois quero apenas fazê-los refletir de forma profunda, assim como eu, sobre uma
pergunta simples e direta:
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