sábado, 21 de novembro de 2015

Estaríamos nós negligenciando o Risco Moral?

Noutro dia, durante uma discussão corriqueira com um colega de escritório sobre uma decisão que envolvia uma certa dose de risco, ponderamos a certa altura sobre a questão do risco moral. Estaria aquela decisão (prestes a ser tomada) gerando risco moral? Na dúvida, acabamos voltando atrás e decidindo não seguir em frente.  A partir desse episódio, me pus a observar com maior atenção os processos de tomada de decisão dos quais participei, seja como ator coadjuvante ou personagem principal, e desde então uma pergunta me assombra: 
Estaríamos nós negligenciando o risco moral nas decisões que tomamos?

A expressão risco moral (do inglês moral hazard) define um tipo de falha em que a existência de um seguro contra um determinado risco aumenta a probabilidade de ocorrência do evento que origina esse risco. Por exemplo, o dono de um carro que esteja segurado contra roubo poderá deixar de ser tão cuidadoso na proteção do seu veículo dado que a existência do seguro reduz o incentivo para a prevenção. 
Os exemplos variam tanto quanto as definições que atualmente são facilmente encontradas na internet, mas não me pus a escrever nesse lindo sábado de primavera para polemizar acerca de qual seria a melhor definição de risco moral. Meu objetivo é gerar uma reflexão e, com sorte, também assombrar alguns dos leitores desse post, como eu próprio estou assombrado, quanto a estarmos negligenciando o risco moral nas nossas decisões.

Para início de conversa, minha definição de risco moral vai muito além das definições tradicionais, normalmente voltadas para o mundo corporativo (mercado financeiro em especial). Vejo como risco moral qualquer ação que vise mitigar um determinado risco ou obter um determinado benefício, mas que quando implementada de forma exagerada acaba por ampliar a possibilidade de ocorrência desse risco ou gerando um prejuízo maior do que o benefício obtido inicialmente. Por exemplo, um pai que de forma legítima e amorosa busca proteger seu filho(a), pode, ao exagerar na proteção, acabar aumentando as chances de algo indesejado ocorrer, pois o filho(a) superprotegido tenderá a negligenciar os riscos aos quais está exposto. Quem é pai, como eu, sabe do que estou falando. 
Claro que esse exemplo está aqui apenas para demonstrar o quão abrangente pode ser (na minha opinião) a definição de risco moral. No entanto, a expressão "exagerar", utilizada no exemplo acima, não está ali por acaso, pois na minha opinião é justamente o exagero que na maioria das vezes gera o risco moral. 
Assim como superproteger o filho(a) traz consigo a possibilidade de que algo de ruim aconteça com ele(a), é o exagero na dose de qualquer ação que gera o risco moral. Não é (isoladamente) o fato de termos o carro segurado que nos faz agir de forma negligente em relação às medidas de segurança, mas o prêmio muito alto (valor pago pelo seguro) ou a possibilidade de ter uma indenização acima do valor de mercado, que amplifica esse tipo de comportamento, seja ele consciente ou não. Em outras palavras, o que determina se uma substância vai agir como remédio ou veneno é a dosagem.

Sei que até aqui falei o óbvio, pelo menos para aqueles mais familiarizados com o tema. Mas assim como a expressão "exagerar" não foi colocada ao acaso no exemplo do pai superprotetor, também não é por acaso que decidi abordar a questão do risco moral de forma óbvia, pois é justamente esse ponto que mais me assombra: 
Se é tão óbvio que o exagero em determinadas ações acaba trazendo consigo o risco moral, por que então é tão comum presenciarmos decisões (as vezes das quais nós mesmos participamos) carregadas de risco moral? 
Por que gestores, na ânsia de tirar da frente problemas que estão impactando no curto prazo, tomam decisões com potencial para prejudicar suas organizações a médio e longo prazo? Vimos isso recentemente no escandaloso "caso Volkswagen", não é mesmo? 
Por que bancos, buscando aumentar seus lucros, encharcam o mercado com papeis tóxicos que a longo prazo têm potencial para gerar risco sistêmico de proporções globais? Como presenciamos em 2008 na crise do subprime. 
Por que em tempos de crise, alguns agentes financeiros elevam seus spreads de forma exagerada, sob o pretexto de estarem protegendo e/ou remunerando melhor os seus ativos, sabendo que na prática estão contribuindo para criar um contexto onde alguns dos seus devedores terão ainda mais dificuldades para honrar seus compromissos? 

Enfim, sei que para cada um dos porquês acima, têm pelo menos uma dúzia de respostas bem fundamentadas. Mas não é esse o ponto em discussão. Esse meu post não busca respostas e tão pouco tem a pretensão de trazer para a mesa qualquer tipo de discussão acerca dessa ou daquela teoria do capitalismo e suas consequências práticas. Meu objetivo é bem mais modesto, pois quero apenas fazê-los refletir de forma profunda, assim como eu, sobre uma pergunta simples e direta: 
"Estaríamos nós negligenciando o risco moral?"