sábado, 10 de janeiro de 2015

Em Deus nós acreditamos. Todos os Outros devem trazer dados.

Assim como o renomado estatístico William Deming, autor da célebre frase que tomei emprestada para o título dessa primeira postagem (que já antecipo, não abordará aspectos técnicos), também faço parte deste nem tão seleto grupo de profissionais adeptos do pensamento cartesiano e, portanto, cético quanto aquilo que não pode ser mensurado. Afinal de contas, o que não é medido não é gerenciado. Ou pelo menos foi isso o que nos ensinaram na universidade, não é mesmo? 
E por falar em frases filosóficas e lições aprendidas na universidade, me ocorreu a lembrança de uma frase que ouvi pela primeira vez nos meus tempos de universitário, lá nos idos dos anos 90 do século passado: "Na prática a teoria é outra". 
A primeira vista este bordão soa como piada ou então, na melhor das hipóteses, como uma boa desculpa para o insucesso de alguma empreitada/decisão que estava respaldada por dados de boa qualidade. Mas acho que existe algum fundamento nessa frase aparentemente desconexa da realidade, pois quanto mais eu lanço mão do conhecimento técnico adquirido ao longo destes vinte e tantos anos de mercado, mais convencido eu fico de que o conhecimento teórico sem a capacidade de discernir (coisa normalmente adquirida somente com a prática) é a receita certa para, em algum momento da carreira, darmos com os burros n'água. 
Discernimento é, na minha opinião, a mais indispensável das competências para aqueles que almejam sucesso (mais acertos que erros) na gestão contemporânea. E é sobre isso, a necessidade de buscarmos o aprimoramento da nossa capacidade de discernir, que eu gostaria de discorrer aqui, pois estou convencido de que essa é uma das competências cada vez menos exercitadas neste mundo em que toda informação está a apenas um clique e onde o foco no curto prazo, muitas vezes exacerbado, acaba por comprometer a qualidade do processo decisório nas organizações. 
Muito tem se falado que a resiliência é uma das competências mais importantes nos dias de hoje (e eu concordo que de fato seja), mas pouco tem se falado sobre a capacidade de discernimento, competência que julgo ser ainda mais importante que a resiliência, pois até mesmo o exercício da resiliência sem uma boa dose de discernimento pode não passar de pura perda de tempo. 
É preciso, então, tentar embutir nas pessoas a noção de que os dados devem ser analisados antes de usados e de que as decisões devem ser contextualizadas antes de tomadas. E tanto a habilidade analítica quanto a capacidade de contextualizar são competências desenvolvidas (de verdade) somente com a prática. Estudos de caso, muito utilizados hoje em dia nas melhores universidades do mundo, sem dúvida têm o seu valor. No entanto, resolver problemas (por mais complexos que sejam) apenas no ambiente acadêmico exercita no máximo as habilidades racionais. Habilidades estas que sempre sofrem mutações quando requisitadas na vida real onde as emoções, por mais equilibrados que sejamos, adentram no palco do processo decisório e desempenham seu papel com extrema desenvoltura. Aqueles que, como eu, vivenciaram o caos da crise de 2008 e hoje se deparam com os estudos de caso contextualizados naquela época (que recheiam a grade curricular dos cursos de MBA), sabem bem do que eu estou falando. 
Então, dados e fatos são realmente indispensáveis para os processos decisórios. Contudo, não basta ter os melhores e mais bem elaborados dados do mundo se subestimarmos a importância do bom discernimento, o que pressupõe lançar mão das nossas experiências em sua plenitude (inclusive as emoções), coisa que o estudo de caso, por mais bem elaborado que seja, não possibilita a ninguém.
Aos mais jovens e ávidos profissionais pertencentes a chamada geração Y (famosos pelo as vezes exagerado senso de urgência), essa minha linha de raciocínio pode soar como um discurso de alguém incomodado com a concorrência dessa juventude cada vez mais bem preparada tecnicamente. Mas asseguro não ser esse o caso. Aliás, muito pelo contrário, pois acredito que a combinação de competências das gerações que coexistem no ambiente empresarial hoje em dia é na verdade um grande diferencial competitivo e fator determinante para a longevidade dos negócios. Afinal de contas, todos hão de convir que a chave para ter sucesso no processo decisório reside na combinação entre dados bem elaborados e discernimento para utilizá-los adequadamente, o que inclui saber quando descartar os dados e decidir intuitivamente.