terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

EBITDA - Afinal essa sopa de letrinhas realmente ajuda na gestão?

Para executivos nascidos no século passado, como é o caso deste que lhes escreve, o método mais eficaz para respaldar processos decisórios onde o fator mais importante seja medir o desempenho e a capacidade de gerar caixa de um determinado negócio continua sendo o método da transpiração, pois não dá para respaldar de verdade uma decisão dessa natureza sem passar pela análise profunda e detalhada de vários indicadores de forma conjunta.
No entanto de uns anos pra cá, com a padronização das informações financeiras por força da incorporação das normas contábeis internacionais (IFRS) às normas brasileiras, o EBITDA (Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), muito utilizado fora do Brasil há várias décadas, passou a ser utilizado por aqui de forma muitas vezes equivocada e perigosamente isolada para medir o desempenho e até mesmo a geração de caixa de negócios/empresas.

Note que no parágrafo anterior não é à toa que estou usando o advérbio “perigosamente”, pois minha aversão reside justamente no fato de alguns gestores e analistas adeptos do fast management estarem usando o EBITDA de forma isolada para medir o desempenho das empresas. 
Não quero aqui criar polêmica e tão pouco vender uma receita pronta para a análise de negócios (pois ela não existe), mas sim lançar uma sombra de dúvida quanto à eficácia das análises que por força da pressão de tempo (algo comum nos dias de hoje) acabam sendo efetuadas com base em apenas um ou dois indicadores de forma isolada. Ou seja, meu propósito com esse artigo é apenas o de gerar reflexão em torno de algo já muito batido no meio acadêmico, porém esquecido por muitos de nós no dia a dia: "Assim como a maioria dos indicadores de desempenho, o EBITDA tem vantagens e desvantagens". E ao contrário do que alguns pregam, a simples exclusão dos efeitos não recorrentes (o tal do EBITDA ajustado) passa longe de eliminar as desvantagens desse indicador. Principalmente em se tratando de empresas sujeitas às intempéries de um país como o Brasil. Vejamos o caso abaixo:
Ano base:
  • Receita Operacional Líq. anual: R$ 250 Milhões
  • EBITDA: R$ 75 Milhões (portanto margem de 30%)
Projeção para o próximo ano:
  • Receita Operacional Líq. anual: R$ 500 Milhões (crescimento de 100%)
  • EBITDA: R$ 150 Milhões (mantendo a margem de 30%)
Se formos embasar qualquer decisão a partir das informações acima, tenderemos a achar que trata-se de uma empresa rentável e financeiramente saudável, certo? 
Vamos então adicionar algumas variáveis (outros indicadores):
  • Dívida bancária no ano base: R$ 50 Milhões (50% no CP e com custo médio de 15% ao ano)
  • Ciclo Financeiro previsto para o próximo ano: 180 dias (deficitário)
  • Linhas de empréstimo disponíveis: para financiar o aumento da sua NCG a empresa possui apenas linhas de curto prazo de até R$ 50 Milhões com custo médio de 25% ao ano (o que em se tratando de Brasil não é nenhum absurdo, pois estamos falando de algo equivalente a 200% do CDI).
Então, como nos parece agora? Estamos ou não diante de um caso clássico de empresa que está prestes a sucumbir ao efeito tesoura? 

É fato que hoje em dia o processo decisório é cercado por um senso de urgência crescente visto que as oportunidades surgem e desaparecem na velocidade da internet, e portanto a capacidade de síntese muitas vezes separa os homens dos meninos. Contudo, o exemplo acima (propositalmente simples) demonstra que uma análise an passant de alguns poucos indicadores não é capaz de fornecer uma base consistente para a tomada de decisão. 
Sei que existe alguns casos no universo corporativo que depõe contra essa minha linha de raciocínio, mas para esses casos chamo para depor em minha defesa o "Acaso". Pois tal qual ocorre num jogo de dados, por vezes o processo decisório pode ser bem sucedido por um mero golpe de sorte. E os executivos que de fato levam a sério o papel que exercem nas suas organizações, sabem que o processo decisório está mais para o jogo de xadrez do que para o jogo de dados.